Todos que acompanham o mercado de graduação a distância, têm observado o fenômeno da expansão, onde ano após ano os números de polos, matrículas e ingressos batem recordes. A influência do período da pandemia de Covid19, a retração do poder de compra e principalmente o aumento da oferta decorrente da mudança de regulação – o decreto 9.075 de 2017 – são razões que se somam para que esses números sejam superados a cada nova divulgação de dados do CENSUP.
Em 2022, ultrapassamos os 3 milhões de ingressos na educação a distância, quase o dobro (+94%) do alcançado em 2019. No mesmo período, o número de polos de EAD cresceu 73% e o número de municípios com oferta de EAD 71%. Salta aos olhos o fato de que a captação cresceu percentualmente mais do que a oferta (cidades e polos). Sem dúvida, essa diferença tem a influência das condições ambientais do período, como a restrição de circulação e dificuldades econômicas durante a crise sanitária. Contudo, há uma outra razão que influencia o crescimento do resultado de ingressos: o acirramento da concorrência decorrente do aumento da quantidade de polos, e a consequente maior incidência de transferências entre IES e modalidades.
É comum que ao observarmos os dados do CENSUP, interpretemos ingressos como alunos que não estavam no mercado. Na verdade, uma parcela significativa desse número é representada por transferências entre cursos, IES e modalidades. O referido aumento da oferta então, acaba por retroalimentar o número de novas entradas.
Com mais polos em uma mesma região, e mais opções de matrículas acessíveis, as chances de transferências aumentam bastante. Hoje o aluno tem mais marcas atuando no seu entorno, o que possibilita a troca de IES para redução do investimento, pela qualidade do serviço ou atendimento, disponibilidade de portfólio ou demais conveniências. O mesmo acontece na migração entre modalidades. É cada vez mais recorrente que alunos que precisam viajar para assistir aulas presenciais, optem por uma matrícula EAD próxima a sua residência. Essa opção reduz não só o investimento em mensalidade, como os custos de transporte, alimentação e eventualmente estadia/locação de imóvel.
Em 2017, ano do decreto 9.057, a participação das transferências no número de novos alunos EAD representava 11,27%. Em 2022, chegamos a 17,65% nesta situação. Essa tendência impõe a inclusão desse movimento como um canal de captação e uma preocupação ainda maior no processo de retenção. Mais do que nunca, o gestor de polo precisa estar ciente e acompanhando essa volatilidade da demanda.
Como exemplo podemos observar a Estácio, que em 2017, contava com 299 locais de oferta EAD e teve 7.124 ingressos por transferência. Em 2022, somava 1975 polos e 42.625 ingressos por transferência. Ou seja, expandiu a presença em 560% e obteve crescimento de 498% nas transferências. No mesmo período, o número geral de ingressos nesta instituição saltou de 98.260 para 335.432 (+241%). Com esta expansão territorial, passando a atender uma demanda maior e chegando a lugares onde a concorrência já estava, a participação das transferências na captação da Estácio, salta de 7,25% em 2017 para 12,7% em 2022.
Cabe uma reflexão aqui, já que em números institucionais a instituição cresceu, mas localmente, no polo, pode estar mais difícil de operar. Nesta instituição, a média de ingressos por polo no período cai de 328,62 para 169,83.
Outro exemplo interessante para o contexto, mas com perfil um pouco distinto, é a Univates (Lajeado-RS). Uma universidade tradicional, comunitária e que como a imensa maioria de IES com atuação parecida, era muito voltada para o ensino presencial. Em 2017, a instituição tinha apenas um curso EAD em apenas um polo, o que resultava em apenas uma opção de matrícula para o aluno. Em 2022, chega a 19 cursos, 17 polos dentro da região de alcance da marca (323 opções de matrícula), saltando de 25 alunos na modalidade para 2.267. Lá em 2017, a Univates recebeu apenas 3 transferências para o EAD, 2 deles oriundos de cursos presenciais da própria IES. Em 2022, foram 378 ingressos por transferência na EAD, 42% do total de alunos captados na modalidade (899). Uma parte considerável dessas transferências, 160 ingressos, segue sendo de alunos vindos do presencial da própria universidade. A diferença é que, lá atrás, 98,5% dos alunos que evadiram do presencial com destino ao EAD foram para outras marcas. Nos dados mais recentes, a retenção de marca entre os alunos que migram para o EAD é de 50%.
Os dois exemplos ajudam a ilustrar a importância do acompanhamento das transferências, do entendimento das razões deste movimento (como preço, opções de curso, abrangência da rede, conveniência do aluno) e da performance desse número nos resultados de captação. Tendo em vista que quase 20% das novas matrículas do mercado atual são oriundas de migrações, é importante transformar esse fenômeno em um indicador a ser observado e otimizado.
*Todos os dados mencionados neste texto são públicos, têm origem no Censo da Educação Superior do INEP, e foram consolidados pela ferramenta Armazém de Dados da Mercadoedu. Conheça mais em: www.mercadoedu.com.br.
*Leonardo Labres é diretor comercial da Mercadoedu – Armazém de Dados Educacionais.