UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO OFERTA X DEMANDA NA GRADUAÇÃO EAD 2017-2024
Por Jair Santos Jr. e Leonardo Labres
Expansão acelerada após o Decreto nº 9.057/2017
O Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, impulsionou a educação a distância (EAD) ao flexibilizar a abertura de novos polos. O resultado foi um crescimento exponencial: entre 2016 e 2024, o número de cidades com oferta de graduação privada saltou de 1.258 para 3.393, elevando a cobertura territorial de 22,58% para 60,91%.
Se o avanço geográfico foi expressivo – com o número de cidades atendidas quase triplicando –, a expansão de polos foi ainda mais vertiginosa. Em apenas sete anos, os polos ativos saltaram de 3.867 (2016) para 27.942 (2023). Paralelamente, às instituições autorizadas a ofertar EAD mais que triplicaram.
INDICADOR | 2016 | 2024 | Variação |
Cidades com EAD | 1.116 | 3.388 | 203,5% |
Cidades com Presencial | 744 | 739 | -0,7% |
Polos Ativos | 3.687 | 27.942 (2023) | 622,5% |
IES com oferta EAD | 130 | 671 | 416,15% |
Falando da expansão da EAD, no período citado, não há como não relacionar com a pandemia de Covid-19, que restringiu a circulação e aglomeração de pessoas nos anos de 2020 e 2021. Contudo, ao contrário do que eventualmente se supõe, a expansão da oferta de cursos a distância não sofreu a variação mais significativa nestes anos de emergência sanitária. Embora o evento tenha impactado diretamente no ingresso de novos alunos, a análise da evolução do número de polos mostra que os maiores crescimentos ocorreram entre 2017 e 2019, impulsionados principalmente pelo decreto 9.057 que regulamentou a modalidade. Ou seja, se a pandemia ajudou a popularizar a EAD e atrair mais estudantes, o processo de expansão da oferta já estava em andamento – e de forma mais acentuada nos anos anteriores. Os gráficos abaixo comparam as variações dessas duas métricas.


Oferta vs. Demanda: Um Desequilíbrio Crescente
A relação entre o crescimento da oferta e da demanda é fundamental para compreender os impactos do Decreto 9.057 e da rápida expansão do ensino a distância (EAD). A análise revela ainda uma tendência de saturação do mercado, com um aumento progressivo de insucessos na operação dos polos educacionais — muitos apresentam baixo desempenho e acabam fechando.
Ao examinar os resultados anuais, nota-se que, exceto pelo efeito da pandemia (2020 e 2021), apenas em 2023 o número de alunos cresceu mais que o de polos com matrículas registradas. Ou seja, no período analisado, a oferta expandiu-se em ritmo muito superior ao da demanda. Em termos percentuais, enquanto a quantidade de polos aumentou 622,5%, as matrículas cresceram apenas 243,5%.
Como em qualquer mercado, o aumento da oferta eleva as dificuldades de captação, reduz os resultados individuais dos agentes e, sobretudo, pressiona os preços para baixo. Em 2016, a mensalidade média era de R$284,57*, mas em 2021 caiu para R$241,18* — mesmo com o crescimento da demanda em 2020 e 2021, impulsionado pela emergência sanitária. Em 2023, o valor médio atingiu R$212,41*, apesar das estratégias adotadas pelas instituições para agregar valor, como a criação de modalidades intermediárias (Flex e Semipresencial). Considerando apenas cursos 100% online, a média foi ainda menor: R$202,83.
Outro efeito da maior oferta e concorrência é a redução da densidade (número médio de alunos por polo). Em 2016, havia 355 alunos por polo; em 2023, esse número caiu para 169 — menos da metade.
Como indicador, podemos correlacionar a evolução do número médio de alunos com o valor da mensalidade, supondo o faturamento médio com graduação por polo. Em 2016, esse valor era de R$101.022,35; em 2023, despencou para R$35.897,00. A diferença torna-se ainda mais expressiva quando ajustada pela inflação: com base no IPCA acumulado, o faturamento de 2016 equivaleria a R$152.286,20 em 2023. Ou seja, considerando a inflação, a maior concorrência e a queda nos preços, o resultado médio por polo em 2023 é quase cinco vezes menor que o de 2016. Claro que, os valores acima são para efeitos comparativos e tratam apenas de graduação. Os polos ainda podem comercializar pós-graduação, técnicos, ter valores de oferta maior do que a média. Contudo, o exemplo, tangibiliza as dificuldades enfrentadas nas unidades de apoio individuais.
Da mesma forma, muitos polos atendem quantidades de alunos muito inferiores à média, tornando-se insustentáveis e acabando por fechar. Em 2023, os encerramentos representaram 54% das aberturas, com 4.046 polos extintos.
Consequências: Fechamento de Polos e Concentração de Mercado
2017 | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 | 2023 | |
Abertura de Pólos | 2145 | 5434 | 4974 | 6578 | 6131 | 6446 | 7440 |
Crescimento Polos Ativos | 1773 | 4654 | 3892 | 3097 | 3247 | 4088 | 3394 |
Fechamento de Polos | 372 | 780 | 1082 | 3481 | 2884 | 2358 | 4046 |
% Fechamentos em relação a aberturas | 17,34 | 14,35 | 21,75 | 52,92 | 47,04 | 36,58 | 54,38 |
Uma das expectativas do setor com o decreto de 2017 era que as instituições tradicionais aumentassem sua participação no EAD, atraindo alunos dentro do raio de influência de suas marcas, aproveitando sua reputação consolidada e atuação regional. Acreditava-se que isso levaria a uma descentralização da oferta, então concentrada nos grandes grupos. Nenhum desses cenários se materializou de forma sistemática.
Em 2023, as 15 maiores instituições (todas com mais de 50 mil alunos) detinham 77,26% do mercado – uma redução frente aos 82,31% de 2016. No entanto, a fatia restante, antes distribuída entre 113 IES, passou a ser dividida por 455, indicando maior fragmentação.
Ao analisar os dados do CENSUP de 2024, a tendência de saturação torna-se ainda mais evidente. Embora o número de matriculados no EAD tenha crescido 5,55% em relação a 2023, esse resultado representa o menor avanço desde 2017. O volume de matrículas começa a refletir a desaceleração já registrada no número de ingressantes em 2023, que praticamente estagnou em 2024, com um crescimento de apenas 0,96%. É importante lembrar que o total de matriculados reflete dos ingressos de anos anteriores, já que os alunos permanecem, em média, de 2 a 4 anos na graduação.
Esse comportamento nos ingressantes é ainda mais significativo quando observamos que, no último ano, houve aumento tanto no número de cidades com oferta de EAD quanto no de instituições que atuam nessa modalidade. Ou seja, foi necessário expandir a presença geográfica e o número de players para conquistar praticamente o mesmo volume de novos alunos.


EAD | MATRICULADOS | CIDADES | IES | MAT/CIDADE | MAT/IES |
2023 | 4.712.303 | 3.329 | 609 | 1.415,53 | 7.737,77 |
2024 | 4.974.052 | 3.388 | 671 | 1.468,13 | 7.412,89 |
var % | 5,55% | 1,77% | 10,18% | 3,71% | -4,19% |
EAD | INGRESSOS | CIDADES | IES | ING/CIDADE | ING/IES |
2023 | 3.226.891 | 3.329 | 609 | 969,32 | 5.298,67 |
2024 | 3.257.810 | 3.388 | 671 | 961,57 | 4.855,15 |
var % | 0,96% | 1,77% | 10,18% | -0,79% | -8,37% |
Os quadros acima evidenciam a redução dos resultados médios por instituição, o aumento da concorrência e a queda da captação média por cidade. Apesar de pequena (-0,79%), essa retração interrompe uma sequência de crescimento consistente e expressiva observada desde 2018.
Conclusão
Novo cenário regulatório, Desafios e Insights Estratégicos para a
graduação EAD
O cenário da educação a distância (EAD) no Brasil, impulsionado pelo Decreto nº 9.057/2017, caracterizou-se por uma expansão acelerada da oferta, com crescimento exponencial de polos e instituições autorizadas. No entanto, esse crescimento não foi acompanhado pela demanda em mesma proporção, derrubando a densidade média nos polos e o faturamento real de cada unidade. A saturação do mercado, a queda nas mensalidades médias e o fechamento acelerado de polos evidenciam um desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda.
Novo cenário regulatório
Se o cenário já era desafiador com a evolução decorrente do Decreto 9057/2017, com o novo Marco Regulatório, representado pelo Decreto Nº 12.456, de 19 de maio de 2025, esse movimento se intensificou. Com a justificativa de precarização da educação, lastreada em exemplos não confirmados de polos precários, o Ministério da Educação protagonizou uma campanha de frenagem da oferta EAD, com a Portaria 528/2024, revisão dos conceitos e elaboração de novas propostas, com a atuação do Conselho Consultivo para o Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior, recriado pela Portaria MEC nº 529, de 6 de junho de 2024, chegamos, entre maio e julho de 2025 ao novos atos normativos (além do Decreto 12.456/2025 temos: Portaria MEC Nº 376 de 19/05/2025; Portaria MEC Nº 381 de 20/05/2025 e Portaria MEC Nº 506 de 10/07/2025). O chamado Novo Marco Regulatório tem os seguintes grandes eixos: Restrição Cursos de Direito, Medicina, Enfermagem, Odontologia e Psicologia não podem ser ofertados nos formatos a distância ou semipresencial. Cursos das áreas de saúde, licenciaturas e engenharias não podem ser ofertados no formato a distância, somente presencial e semipresencial.
Estrutura Física e de Pessoal
A sede e os polos passam a ter maior exigência de estrutura física para oferta de cursos a distância e semipresenciais. Além da estrutura básica de atendimento, laboratórios e ambientes foram melhor detalhados.
A estrutura de pessoal foi redesenhada, com o detalhamento do papel do coordenador, professor regente, professor conteudista e mediador pedagógico. Do lado administrativo foram especificados o responsável pelo polo e o tutor, agora somente com funções não ligadas ao processo de ensino.
Presencialidade
A carga horária dos cursos, mesmo a distância, passam a ter requisitos de presencialidade, não somente de atividades pedagógicas em geral, mas de atividades avaliativas, obrigações de questões discursivas, limitação de alunos para atividades síncronas. Para os cursos semipresenciais, parcela importante da nova possibilidade de oferta (reiteramos, saúde, licenciaturas e engenharias) a carga horária presencial
ficou com limites entre 50% e 60%, conforme os parâmetros dos atos normativos e das Diretrizes Curriculares Nacionais que estão em redesenho e novo curso.
Desafios
- Sustentabilidade dos Polos: A baixa densidade e a pressão sobre preços tornam inviável a operação de polos com poucos alunos, exigindo modelos mais eficientes.
- Concentração e Fragmentação: Apesar da leve redução na participação dos grandes grupos (77,26% em 2023), a fragmentação entre pequenas IES aumenta a competição, sem ganhos de escala.
- Valor Percebido: A commoditização do EAD, com mensalidades em queda, desafia as instituições a diferenciar sua oferta para além do preço.
- Regulação: as mudanças propostas pelo novo marco do EAD, vão exigir ajustes de estrutura e adequação da oferta. O cenário para a gestão das redes de polos e para os proprietários de unidades já era desafiador com o movimento decorrente da evolução do mercado educacional desde 2017. Contudo, com o Marco Regulatório em 2025 o cenário piora significativamente.
Maior estrutura imobilizada, mais pessoas e maior presencialidade são fatores de
pressão para maiores custos operacionais. É evidente que os requisitos para uma
performance minimamente satisfatória de um polo serão ainda mais difíceis de serem
alcançados.
Insights Estratégicos
- Foco em Eficiência Operacional: Redesenhar a distribuição de polos com base em dados de demanda real e investindo em regiões estratégicas. Neste redesenho, é importante olhar para cada mercado a partir das novas exigências de estrutura, e entender o potencial de adequação de cada polo da instituição e de seus concorrentes.
- Modelos Híbridos como Diferencial: a oferta semipresencial, se bem planejada, pode agregar valor e justificar preços mais altos, elevando a lucratividade. Essa “hibridização” também pode estimular a percepção de qualidade e diferenciação da proposta de valor. Entregar mais do que o esperado, ainda é um dos segredos de sucesso em qualquer segmento.
- Cuidado com a Segmentação e Nichos: oferecer cursos alinhados a demandas muito específicas, pode ser positivo apenas em marcas com número muito grande de polos, com grande capilaridade. Ao definir o acréscimo de um curso no portfólio, é determinante observar o perfil da rede nos locais atendidos e a procura pelo curso planejado nessas localidades. O investimento para um curso com maior ou menor potencial de lucratividade é basicamente o mesmo. Então, fazer o óbvio, ao menos
enquanto houver pouca abrangência de distribuição, é a estratégia mais acertada.
Projeção
O mercado continuará em ajuste, com tendência de fechamento de polos com baixa captação ou que não tenham a capacidade de adequação às novas exigências de oferta. O novo marco regulatório traz desafios, mas pode ser oportunidade para instituições que combinem capilaridade inteligente e diferenciação acadêmica. Se o período que se avizinha promete muitas mudanças, estas, se bem absorvidas, podem ser soluções para frear a saturação e incentivar inovações que equilibrem a relação
entre oferta e demanda.
E podemos arriscar alguns outros impactos possíveis, talvez, prováveis. Haverá uma redução do cadastro de polos no sistema eMEC e também uma redução de redes de polos de várias das empresas ofertantes. O critério que até aqui era, quanto mais polos, mais alunos; não é mais verdadeiro. Agora não se trata mais de quantidade de polos, mas eficiência deles. Haverá uma tendência, em várias regiões, de superposição dos cursos semipresenciais frente os cursos presenciais. Pela própria campanha do Ministério da Educação de confundir presencialidade com qualidade, cursos que tenham maior frequência de aulas e atividades serão percebidos como de boa qualidade, retirando qualquer resistência regional, permitindo mensalidades maiores e, portanto, concorrência direta com a oferta presencial, sem barreiras…
Haverá aumento de mensalidades e segmentação dos cursos conforme os formatos de oferta. Os cursos ainda permitidos na oferta a distância tendem a continuar com valores menores e podem ser percebidos como cursos de segunda categoria. Já os cursos semipresenciais terão aumento de mensalidades e serão percebidos como de primeira categoria. Já os cursos vetados nos formatos semi ou a distância vão se elitizar, sendo percebidos como premium.
Por todo o conjunto destas análises será necessário para as empresas de educação se cercar de dados estatísticos e de mercado robustos não somente para a tomada de decisão, mas para a gestão da operação. Por um bom tempo as mensalidades vão variar com maior intensidade, numa fase de ajuste do mercado educacional. Da mesma forma, os resultados de captação serão para aqueles que converterem melhor as mudanças em mensagens positivas de sua comunicação. Quem era pequeno pode crescer se acertar na comunicação regional. Portanto, players antes desconsiderados passam a ganhar nova relevância. Os gestores estratégicos passam a ser demandados de conhecimento de dados e inteligência competitiva. Daí a necessidade de se utilizar de ferramentas completas e atualizadas.
LEONARDO ALVES LABRES – MercadoEdu
http://www.mercadoedu.com.br
Profissional com mais de 20 anos na área de educação. Tecnólogo em Marketing, atuou como professor no segmento de tecnologia, analista fiscal, assessor e analista de marketing (com foco em desenvolvimento web, e comunicação digital). Há 13 anos, é sócio e diretor comercial da MercadoEdu, onde atende mais de 200 instituições de Ensino Superior.
JAIR DOS SANTOS JUNIOR – SANTOS JR Consultoria
http://www.santosjunior.com.br
Bacharel em Ciência Política, Mestre e Doutor em Sociologia, todos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Desde 2002 exerce cargos em gestão de Instituições de Ensino Superior – IES. Em 2009 fundou a SANTOS JR Consultoria Educacional e desde então desenvolve projetos de reestruturação, recuperação e gestão estratégica de diversas instituições. Em outubro de 2023 é eleito Diretor Administrativo-Financeiro da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), sendo em 2024 direcionado por aprovação em Assembleia para a Diretoria de Regulação e Qualidade da mesma. Em janeiro de 2024 é nomeado membro da Comissão Assessoria de Atuação Transversal EAD do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).